O marketing Narcisista e o Mal de Rafael
O profissional de marketing tem uma propensão muito intensa em achar que os seus gostos e preferências pessoais ou familiares são os mesmos do mercado. E tomam muitas decisões baseadas nesta subjetividade pessoal. Li há três anos um artigo escrito pelo consultor Jaime Troiano na Revista Consumidor Moderno que define muito bem o que é o Marketing Narciso. Com a autorização do autor segue texto na Integra.
O Mal de Rafael
Há pouco tempo, eu disse a um conhecido, o Rafael, qual era a participação de mercado aproximada da Coca Light. E ele me disse: "Jaime, não é possível, deve ser muito mais alta. Todo mundo que eu conheço toma Coca Light!" Fui obrigado a concordar: quase todo mundo que ele conhece toma Coca Light. Dentro do grupo social por aonde ele e eu andamos e o tipo de consumidor que conhecemos, de fato, Coca Light tem market share bem alto!
Os problemas começam quando profissionais de comunicação e marketing trazem ingênua e inadvertidamente essas verdades pessoais para o escritório. Enquanto Rafael continuar o trabalho que faz hoje e não incursionar nessa nossa profissão, estaremos protegidos contra suas crenças pessoais. Mas se ele um dia tentar a vida na área de marketing e comunicação - Deus queira que não! - aí teremos de nos preocupar com seus palpites.
Mesmo assim, o problema continua: o mercado tem "rafaéis" em abundância. Muitas vezes eles têm visões pessoais sobre a experiência de vida de seres próximos: "Não é que meu filho seja uma amostra válida, mas...". E aí vem a pérola sobre o amplo conhecimento deles a respeito de valores, visão de mundo e comportamento de consumo dessa geração. Outras vezes, eles partilham intimidades conjugais: "Minha esposa fica irritadíssima quando vê esses comerciais em que o produto...". Não é preciso muito esforço para imaginar o que vem depois: um rico painel de opiniões sobre como certos tipos de mulher reagem a certas propagandas, por exemplo. Além de filhos e esposas, podem ser a mãe ou os amigos íntimos do Rafael - nesse último caso, a idéia surge sempre durante um churrasco ou no retorno da ponte-aérea.
Brincadeiras à parte, arbitrariedade e subjetividade continuam sendo fonte inesgotável de idéias para definição de público-alvo nos trabalhos de marketing e comunicação das empresas. Essa visão etnocêntrica em marketing, vendo o mercado a partir da ótica pessoal e tribal do executivo, é bem freqüente - ainda que muitas vezes travestida de intuição ("algo me diz que...").
No fundo, essa síndrome na escolha e caracterização do público-alvo tem duas fontes e traz pelo menos duas consequências negativas. O "mal de Rafael" nasce das seguintes fontes:
1. Um certo sentido de onipotência, comum em nossa profissão: um sentimento que nega de forma absoluta um princípio básico encontrado em qualquer cartilha de marketing: o único ser soberano em todo o processo chama-se consumidor. Ou somos capazes de nos despojar humildemente de impressões subjetivas e de entendê-lo objetivamente, ou estamos fritos.
2. A segunda é quase um espelho da primeira: ainda são baixos e irregulares os investimentos em estudos de comportamento de consumidor. Poucas empresas separam regularmente em seu orçamento verbas razoáveis para essa finalidade. Na maioria dos casos, nos sentimos como o pediatra que recebe uma chamada às duas da manhã porque um garoto está com 39 graus de febre. Febres e cataporas são meio inevitáveis, mas que tal visitar mais periodicamente o pediatra para entender melhor a saúde de seu filho?
A comparação pode não ser perfeita, mas a falta de estudos "profiláticos" e regulares sobre comportamento de consumidor abre um enorme espaço para as divagações e o uso indevido da pura subjetividade pessoal.
A boa notícia é que o "mal de Rafael" não só tem cura como é facilmente detectável em diagnósticos precoces!
Jaime Troiano é diretor da Jaime Troiano Consultoria de Marca
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